Dia da Conscientização Contra a Obesidade Mórbida Infantil
Dia 03 de Junho é considerado o Dia da Conscientização Contra a Obesidade Mórbida Infantil, e entendemos ser de fundamental importância destacarmos alguns aspectos significativos desse transtorno que acomete crianças e adolescentes do mundo todo. Não poderíamos deixar passar em branco essa data e por isso resolvemos escrever um texto aliando a Psicologia e a Nutrição como forma de conscientizar nossos leitores como também apresentar um olhar multidisciplinar para essa questão tão importante.
A obesidade é representada pelo acúmulo excessivo de gordura corporal em tal extensão que acarreta prejuízos à saúde dos indivíduos. É considerada uma pandemia que afeta mais de um bilhão de pessoas pelo mundo. E segundo o Pediatrics, jornal oficial de Pediatria Americana, nos últimos anos triplicou o número de obesos na infância. Estamos falando que 30% das crianças americanas têm obesidade e não diferente desse número estamos equiparados aqui no Brasil. Pensando que 8 entre cada 10 crianças serão adultos obesos, como indica a Fundação Fiocruz, estamos diante de dados alarmantes. Considera ser um dos maiores problemas de saúde pública mundial com grande impacto na saúde das populações, devido a sua evolução para doenças crônicas degenerativas não transmissíveis, como diabetes mellitus tipo 2, hipertensão arterial, bem como doenças cardiovasculares.
No Brasil, 9,4% das meninas e 12,4% dos meninos são considerados obesos, de acordo com os critérios adotados pela OMS para classificar a obesidade infantil. (GOOGLE)
A obesidade vem se tornando um dos maiores problemas de saúde pública no Brasil e como consequência cada vez mais cedo recebemos em consultório crianças apresentando problemas antes só encontrados em adultos. As comorbidades infanto-juvenis incluem anormalidades endócrinas, cardiovasculares, gastrointestinais, pulmonares, ortopédicas, neurológicas, dermatológicas, renais e psicológicas.
Não bastante o fato de ser uma doença por si e de todos os efeitos e doenças secundárias que podem decorrer dela, estamos falando de diversas consequências do ponto de vista emocional e distúrbios psicológicos que podem advir, Bullying, redução da auto estima, ansiedade, excesso de timidez, isolamento e tantos outros.
Pais e filhos: será possível encontrar as causas e soluções nessa relação?
Uma das primeiras relações que se estabelecem na vida de uma pessoa é entre o bebê e seus cuidadores. Além de todos os cuidados, o principal talvez seja a alimentação, por se tratar de algo essencial à vida e sobrevivência. Na amamentação estamos construindo os primeiros laços. Simbolicamente dar alimento a um bebê é o primeiro ato generoso de troca de carinho. Observamos que após o bebê mamar, praticamente ele se acalma. Estabelece-se a primeira relação entre comer, prazer e alívio.
Esta relação começa cedo, imaginem a influência que se dá entre a relação dos pais com seus filhos. Iniciando uma longa história de relações afetivas com quem se cuida e com o mundo. Nos contatos iniciais com os alimentos conhecemos sabores, texturas, sensações, emoções e sentimentos. Experimentamos o desconforto da fome, o conforto da saciedade, o prazer e tantas outras experiências.
Dar tudo que uma criança pede para comer até pode parecer um ato de amor, mas os efeitos dessa escolha podem ser desastrosos. O verdadeiro ato de amor está em cuidar da saúde de quem amamos?
Dentro de uma dinâmica familiar, cada membro exerce um papel, normalmente a mãe desenvolve um papel afetivo de proteção e apoio emocional, bem como o pai que também sustenta essa relação e a amplia, acaba por assumir o papel de encorajamento dos filhos para estes enfrentarem o mundo externo. É na família que nos sentimos protegidos e aos poucos, vamos criando percepções e crenças que nos acompanharão por toda a vida influenciando em nossas escolhas, inclusive alimentares.
A mãe e o pai sentem como obrigação atender as necessidades e expectativas de seus filhos. Quando se sentem ausentes de seus papéis parentais, procuram compensar de alguma forma, a falta que é gerada na vida dos filhos, revelando inclusive a negação desse vazio, não admitindo para si mesmos tal falha e como resposta, busca - se através de outros meios reparar tal ausência, proporcionando a mais farta oferta de delícias e prazeres incluindo os alimentares, os mais diversos brinquedos, o que há mais tecnológico recurso ou bens materiais diversos, acreditando sanar o problema, mas será?
O que dizer da pessoa que não consegue exercer o papel de mãe que foi projetado e idealizado pela sociedade? O que fazer quando falta um membro? Quando a necessidade de sustento familiar gera ausência? Podemos apontar que na vida de uma criança, outras estruturas a acompanham, como cuidadores, escola, familiares que participam, convivem e influenciam seus hábitos que vão se estruturando na medida em que são experimentados e explorados nessa fantástica viagem que é o reconhecimento do mundo à sua volta.
Para Sigmund Freud, somos seres desejantes e faltantes. Partindo desse ponto, estamos sempre em busca de satisfazer nossos desejos, que variam muito de acordo com nosso humor, estímulos e até mesmo nossa fome! Mas, o pulo do gato é, será que conseguimos satisfazer todos os nossos desejos? Como seria se pudéssemos? Seríamos felizes? Então podemos dizer que uma criança que tem todos os brinquedos do mundo e a liberdade para comer o que quiser a todo tempo, é feliz?
Nossa relação é um constante dar e receber, segundo Bert Hellinger e nesse caso, em que a criança só ocupa o lugar de desejante, qual a utilidade dela na função de oferecer algo para o outro? Interessante pensar nisso não é? Já que uma das nossas maiores buscas é de fato ser alguém para alguém. A falta bem estruturada torna a criança curiosa, criativa, estratégica e inteligente.
Mas, um dos movimentos que nós profissionais da área da saúde emocional e mental observamos é que, na ausência dos pais ou de situações desconfortáveis, as crianças buscam de forma voraz, recompensar essa dor preenchendo o que falta. É claro que esse mecanismo se dá de forma inconsciente, pois quem em sã consciência gostaria de se auto prejudicar, pelo contrário, busca-se com significativa frequência encontrar mecanismos para diminuir ou até mesmo prevenir sofrimentos que entendemos desnecessários. Com isso, encontramos forma de nos manter em uma realidade quase que imaginária, onde precisamos a todo custo atender as nossas expectativas, não se dando conta de que vazios são necessários e ausências também! Imaginem agora que, como pais, podemos também estar vivendo neste limbo de prazer e insatisfação e nossos filhos, não apenas nos observam como também nos tornam referências de suas escolhas e posicionamentos. Por tanto, é possível encontrar na estrutura familiar gatilhos que prejudicam a relação da criança com o mundo.
Nossas crianças vivem dentro de um modelo relacional onde a espera é sufocante, a busca pelo princípio do prazer e satisfação imediata é quase um mantra que ao mesmo tempo, aponta para uma insatisfação quase que funcional e como consequência, pais que se percebem em “débito” com seus filhos, se colocam na relação de forma significativamente objetal, atendendo quase sempre de forma passiva a voracidade de seus filhos, buscando satisfazê-los de forma rápida e eficaz. Porém, em alguns casos a insatisfação já ganha um peso dinâmico e estrutural, manifestando-se em quadros compulsivos.
Os distúrbios alimentares são percebidos quando uma criança não consegue ou se recusa a comer ou beber uma quantidade ou variedade de alimentos suficientes para manter uma nutrição adequada, ou até mesmo quando come grandes quantidades de alimento em pouco tempo, também a casos onde a criança ingere poucos alimentos, mas com teor calórico altíssimo. A criança ingere de forma compulsiva e perde o controle do que e de quanto está comendo. (GOOGLE)
Às vezes a criança come em meio a uma rotina nada estruturada, em meio aos materiais escolares, brinquedos, andando pelos espaços, entre outras dinâmicas que acabam não percebendo o que comem, mastigam pouco e como resultado, sentem que não comeram o suficiente, que não estão satisfeitas. Uma total falta de consciência do processo alimentar e a diferença entre saciar a fome e o desejo de comer mais.
Muitos de nós ouvimos de nossos cuidadores que ao comer nos tornaríamos fortes e que, portanto deveríamos dar conta de todo aquele prato que foi feito por alguém que julgava conhecer nosso apetite. E qual criança não deseja ser forte como um super herói!?
Além das questões emocionais, ausência afetiva ou até o excesso da mesma, temos ditados que acompanham gerações: “bebê “fortinho” é bebê saudável”, criança “fortinha” é criança bem tratada.
Talvez seja necessário resgatar na nossa ancestralidade, os encontros familiares à mesa, onde as famílias se reuniam para se deleitar aos prazeres do convívio e da alimentação, quem não se lembra de que a coxa maior do frango sempre ficava para o papai... Muitas crianças comem na frente da TV ou tantos outros artifícios tecnológicos e com isso, passam a não se dar conta do que estão ingerindo.
Outro aspecto não menos importante, é o do movimento. A criança precisa brincar, gastar a energia consumida. Precisa correr, cair, ralar o joelho e aprender a se levantar. O sedentarismo é um ponto que se deve levar em conta, já que vivemos em uma era que nos convida a todo momento viver uma vida mais prática sem grandes esforços físicos para nos atender.
Ao oferecer tais condições aos nossos filhos, é possível estamos contribuindo com essa dinâmica que começa com o vazio, gerando frustração e tensão que como resposta, condicionados ao prazer, se tornam crianças compulsivas?
Você já parou para pensar que o seu filho tem fome de algo que pode ser muito além de um alimento?
Seu filho é feliz?
São perguntas que nos geram tensão, não é mesmo?
As crianças têm como referência seus pais ou cuidadores, e acabam por reproduzir o que ouvem e o que veem. Nesse caso, quais as responsabilidades que estes possuem no processo da obesidade infantil? O assunto é sério e necessita de um suporte para toda a família. Muitas vezes a orientação dada é que toda a família se reestruture, estabelecendo um novo modelo de alimentação, reeducando hábitos alimentares e claro, psicoterapia para identificar possíveis gatilhos que prejudiquem a percepção da criança em relação ao processo de mudança. Quando a gente muda o mundo muda!!!
O papel da família é fundamental quando falamos no processo de mudança e comportamento alimentar da criança e do adolescente, pois deve ficar claro que a família deve ser conscientizada que uma alimentação saudável trará benefícios a todos.
Será preciso avaliar o que está na mesa daquela família todos os dias. Os pais daquela criança também estão obesos ou com sobrepeso? Se a resposta for sim, o tratamento é recomendado para todos daquela família.
Para alguns pais pode não estar claro que eles são os principais responsáveis pela alimentação das crianças, pois é muito comum ouvirmos mães falando: “você ouviu o que a Dra. disse?!” ou “Dra. não sei mais o que fazer com ele”.
Uma série de fatores vem contribuindo para o distanciamento dos pais aos cuidados básicos de seus filhos, entre eles é a mudança do estilo de vida das mães que hoje trabalham fora e não dispõe de tempo para planejar as refeições e acabam optando por refeições mais rápidas e na maioria das vezes não tão saudáveis.
Organizar a rotina da casa também será necessário para o sucesso do tratamento, como planejamento de cardápio, preparo de refeições que poderão ser congeladas, frutas e verduras já higienizadas de forma acessível para incentivar o consumo, elaboração de lanches saudáveis com bom perfil nutricional.
Tentar realizar ao menos uma refeição em família, pois os estudos nos mostram que crianças que fazem suas refeições em família apresentam melhor qualidade alimentar se comparado aqueles que raramente se sentam com os pais para comer.
O processo como um todo visa à mudança no hábito e comportamento alimentar de forma gradual e exige muita determinação e paciência. Será preciso também trabalhar os preconceitos de que durante o processo de reeducação alimentar só será permitido comer frutas e verduras e que existem alimentos proibidos. O papel do nutricionista junto com o paciente e a família é traçar o melhor plano alimentar para garantir a adesão e o sucesso ao tratamento, e não os alimentos proibidos não existem, apenas serão consumidos em menor quantidade e esporadicamente.
Quando o assunto é criança o fato de brincar e correr, faz com que elas gastem muito mais calorias que nós adultos, portanto pais, seus filhos não necessitam de uma dieta restritiva, o que eles precisam é uma reeducação alimentar para que alcancem o peso de acordo com sua altura e idade.
E essa mudança depende de nós. Das escolhas que trazemos para dentro de nossas casas.
Danielle Resta – Nutricionista infantil
CRN3 29295
Patrícia M. C. Mori - Psicóloga
CRP 51979/06
Luciana Furtado - Psicóloga
CRP 06/74499
Referências
http://www.fiocruz.br/biosseguranca/Bis/infantil/obesidade-infantil.htm
http://portal.mec.gov.br/component/tags/tag/obesidade-infantil
Nutrição comportamental - 2 Edição